domingo, 20 de novembro de 2011

UTI Pediátrica: Lugar de criança ser criança



Semana passada, cheguei pela manhã para atender na UTI Pediátrica do Hospital onde trabalho e como de costume, verifiquei quem eram os pacientes que estavam internados e o motivo da internação. Esta semana recebemos mais duas crianças na UTI pediátrica, uma mocinha que já conheço de outras internações e um menininho de 6 anos que estava acompanhado de sua avó quando fui conhecê-lo.

Me aproximei e no momento em que estava ao seu lado, iniciando uma conversa para que nos conhecêssemos, o médico responsável pelo plantão veio examiná-lo. Fiquei ao lado, vendo a reação do menininho, que chorava com dor e dificuldade para abrir sua boa, estava com a bochecha direita bem inchada. Depois de examinado, continuei ao seu lado, ele não queria conversa, estava com dor e chamava pela mãe. Sua avó dizia que a mãe tinha tido um bebê e que ainda não podia sair de casa para ficar com ele no hospital. Conversei com N. dizendo que voltaria para brincarmos, quando ele já não estivesse com tanta dor. Entendam, ele não repeliu meu contato mas eu não podia insistir que ele interagisse comigo naquele momento. Fiquei fazendo carinho no seu bracinho, para que ele se acalmasse e parasse de chorar, o rosto estava muito inchado e doía, precisava se acalmar para que a medicação fizesse efeito. Ele permitiu o carinho e fechou os olhos, parou de chorar. Fiquei com ele por um tempo, depois fui embora e prometi voltar.

À tarde, voltei à UTI para entregar algo que havia prometido a uma mãezinha, cheguei e logo a fisioterapeuta me olhou e disse que eu não morria mais. Vixe, pensei: que será que aconteceu? Ela continuou dizendo que estava tentando me ligar (número de celular errado, descobrimos depois) e que precisava que eu conversasse com o N., disse que ele só chorava, chamando pela mãe e que o ouviu dizendo: "Minha mãe me abandonou, ela prefere minha irmãzinha."

 A físio disse que já tinha conversado com uma médica sobre convocar a mãe para vir. Pedi que ligassem e explicassem que ela precisava vir, não precisava ficar mas que viesse no horário de visita. Fui lá, encontrei ele chorando baixinho, as lágrimas corriam, ainda com rosto inchado dizia baixinho que queria a mãe. O motivo da mãe não vir, era a suspeita de que o filho estivesse com caxumba, ela estava preocupada com o contato, por causa do bebê recém-nascido.

Fiz carinho em N. que não tirou o bracinho mas aumentou o choro, chorava e pedia pela mãe. Eu tentei acalmá-lo, dizendo que sua mãe também estava com saudades e que viria para vê-lo. Ele pedia para ir embora, eu dizia que precisava ficar bom e depois iria pra casa, pedi que tivesse calma e perguntei se chorar estava fazendo doer mais seu rostinho, disse que eu ficaria com ele até que se acalmasse.

Uma das mãezinhas da UTI veio e falou para nós dois, que já tinha ligado pra mãe dele e que ela viria. Ele arregalou o olho e me olhou, parou de chorar e ficou aproveitando o carinho mas ainda fazia bico de quase choro. Eu então lhe disse que iria falar com sua avó, que nos olhava da porta e que voltaria. Expliquei a ela que TODA criança vive um processo de adaptação interna, que precisa organizar sentimentos quando ganha um (a) irmãozinho (a) e que ele não tinha nem conseguido se adaptar e já estava internado, longe da mãe e se sentindo abandonado. Disse que iria até ele de novo, para explicar que a mãe viria e o motivo dela não poder ficar com ele no hospital ou abraçá-lo, para que ele não se sentisse rejeitado.

Voltei a falar com N. e disse, olhando nos seus olhinhos, falei para ele que precisava prestar atenção no que eu ia dizer, ele voltou a chorar porque pensou que eu ia falar, que sua mãe não viria. Pedi calma e falei que ele precisava prestar atenção no que a tia ia falar, expliquei que o inchaço do rosto podia ser uma doença chamada caxumba. Disse que o nome era feio mas a doença estava sendo cuidada com um remedinho e que ele ia ficar bom. Falei que a mamãe viria e que ela não ia poder abraçá-lo porque ela também podia ficar doente e a irmãzinha dele que estava em casa também, por isso ele ia ver a mamãe e não ia abraçá-la até o inchaço e a dor passar. Ele ameaçou chorar mas prestou atenção e entendeu, só que depois chorou e com voz de choro falou: EU VOU FICAR AQUI POR ANOS??   Eu respondi: NÃÃÃOOO!!! Você vai ficar pouco tempo, a tia que vai ficar aqui por anos, trabalhando no hospital! Pode confiar em mim, é só você esperar que o remedinho faça efeito, talvez precise de uns dias mas anos não! Ele fechou os olhinhos e eu fiz carinho de novo, falei que ia pedir a médica que lhe explicasse e tirasse suas dúvidas.

Falei com a fisioterapeuta que tinha me contado o que acontecia naquele momento com N. e com a fonoaudióloga que também estava lá, pedi que falassem com a médica e que no momento da chegada da mãe, que alguém da equipe estivesse lá com eles. Que era importante não deixá-lo pensar que sua doença era grave, (ele não precisava disso) que ele pensasse em ficar bom e que pudesse ver a mãe chegando, também com MUUUITA saudade!!
Ele perguntou o DIA dele ir embora. É claro que ele queria ir embora, além de não ser bom ou fácil ficar internado, ele estava se sentindo sozinho e abandonado, como se a irmãzinha agora fosse a preferida. E a dor no rosto? Ele nem falava da dor, a preocupação era outra! Contei para vocês o que ocorreu porque UTI pediátrica não é o lugar onde só cuidamos da doença, olhamos cada um que está lá dentro (paciente, pais ou responsáveis) como pessoas e escutamos suas dores ou conflitos. Ele tem somente 6 anos mas já quer entender se está perdendo a mãe, já que ganhou uma irmã. Perdeu temporariamente a saúde e já pensa na perda concreta do ser que tanto ama. Só pra constar, N. não está internado só por causa da caxumba mas ele vai ficar bom e vai embora se Deus quiser, logo logo. 

Mamães e Papais preparem seus filhos para receber seus irmãozinhos! Conversar funciona, ter atenção as reações emocionais e comportamentos deste processo (desde a gestação, após nascimento e início da relação entre irmãos). Existem muuuitos livros que tratam do tema. E outras medidas que ajudam muito, que devem ser introduzidas na criação e formação de seus filhos, com ou sem irmãos. Como por exemplo, saber dividir... saber compartilhar... saber trocar...

Estou à disposição para tirar dúvidas.

Um beijo e um carinho no bracinho de N.
Abraços fortes em todos que lerem este pequeno relato sobre o dia a dia de uma UTI Pediátrica.

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