sexta-feira, 3 de setembro de 2010

"Alguém vai notar" - Fernanda Takai


Era uma florzinha simples e sincera. Ninguém dava nada por ela. Qualquer coisa parecia ser mais importante nessa vida do que aquele pedaço de vegetal frágil. Mas ela exalava um cheirinho tão bom! Era a flor de manacá mais cheirosa da pequena árvore do canto do jardim. Tinha a responsabilidade discreta de perfumar sozinha uns poucos metros cúbicos de ar, trabalhando por todas as outras flores - que eram lindas, porém um tanto preguiçosas. Uma dia ela pegou uma doença e aos poucos foi deixando de soltar todo aquele perfume. Então todas as folhas, os caules e as companheiras do pé começaram a ficar incomodadas com aquele ar sem o frescor habitual.

-O que aconteceu? Tem algo errado hoje.

- É, algo diferente se passa!

E a florzinha lilás tentava levantar a voz pra dizer:

-Ei, eu estou doente. Olha, apareceram umas pintinhas aqui nas minhas pétalas...

Quem disse que prestavam atenção nela? Nada. E ela ali murchinha, chorando escondida. O rei do pé de manacá então demandou:

-Encontrem o culpado pela falta de cheiro bom em nosso reino!

Foi um burburinho só. E a florzinha só piorando. Não tinha mais forças pra dizer nada. Se mesmo boa os outros não a notavam, imaginem agora toda desmilinguida... Quando estava quase desmaiando, uma lagarta se aproximou e percebeu que um restinho do cheiro bom vinha dali.

-Gente, é aqui. Essa flor é a responsável pela falta do perfume.

-Lilinha! Não era sua missão manter a gente perfumado?

-Era. Mas eu ficava trabalhando aqui sozinha... era muita coisa pra mim.

-Que vergonha, Lilinha! Você nos abandona assim, sem mais nem menos...

- Mas eu não fiz nada de errado. Simplesmente comecei a passar mal. Eu pedi mais água, umas vitaminas, só que ninguém reparou...

-Isso não é motivo para nos deixar na mão, Lilinha. Você ainda é muito nova. Nem embranqueceu ainda...

-Não é motivo, é desmotivo - alguém gritou.

-Foi sem querer. Não sei o que me aconteceu.

-Aconteceu que sua graça acabou. Ninguém aguenta tanta indiferença! - falou uma raiz mais velha.

-Ei, se segura aí! Você vai cair a qualquer momento!

-Não posso mais - disse Lilinha.

-Alguém tem o cartão daquele doutor Caramujo? Dizem que ele é uma lenda viva! Resolve qualquer problema.

-Ah, ele se aposentou... - suspirou alguém desanimado.

A florzinha lilás então despencou da pequena árvore em que vivia. Aquele pé de manacá nunca mais foi o mesmo.

Lá embaixo as formiguinhas vaidosas festejavam a nova mania do formigueiro.

-Gente, esse sachê de manacá que arrumamos é dos melhores, hein? Caiu do céu mesmo!

-Nunca senti um cheiro tão bom!

Dividida em pequenas partes, Lilinha soltou um sorrisinho flutuante no ar. Era a coisa mais querida entre as formiguinhas. Colocaram-na nos cantos dos quartos, da sala, em altares. Era levada aos pequeniques e a todas as festas das formigas. Ninguém se esquecia dela. Quanto mais múmia de florzinha ficava, mais gostavam de Lilinha em pedaços. Magicamente seu perfume voltou por muito tempo mais. Como é bom ter um amor! Mesmo que seja de formiguinha.


Este conto foi retirado do livro de Fernanda Takai: Nunca subestime uma mulherzinha.

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